Uma conversa sobre o impacto da pandemia no setor audiovisual

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Conversamos com Malu Andrade, diretora de Desenvolvimento de Políticas Audiovisuais da Spcine, sobre como a pandemia afetou o setor audiovisual no Brasil. Leia mais nesta matéria.

O impacto da pandemia no setor audiovisual brasileiro: uma conversa com malu andrade da Spcine

Desde o dia 11 de março, quando a Organização Mundial da Saúde decretou a pandemia, filmagens foram interrompidas, estreias no cinema foram canceladas, e o streaming se fortaleceu como uma importante opção de entretenimento.

Para saber os impactos do novo coronavírus no setor no Brasil, a Ludovic conversou com Malu Andrade, especialista em economia criativa e diretora de Desenvolvimento de Políticas Audiovisuais da Spcine, empresa pública de cinema e audiovisual ligada à Prefeitura de São Paulo. Leia a seguir.

Como está o cenário do audiovisual no Brasil hoje?

É um pouco catastrófico, porque a Ancine [Agência Nacional do Cinema] vem numa paralisia, e não é de agora. Boa parte do setor depende do Fundo Setorial do Audiovisual, que é formado por uma taxa paga pelas produções que são lançadas, e está tudo paralisado. Com poucos investimentos públicos, o setor teve que se reinventar e procurar fundos internacionais, investidores privados e players como Netflix, Globoplay e Amazon. Mas, quando falamos dessas plataformas, estamos nos referindo à compra de conteúdo. A propriedade intelectual deixa de ser da produtora, que licencia aquilo e vira service. Ou seja, o setor está em uma posição muito fragilizada.

A curto prazo, já vimos a paralisação das produções. Qual será o impacto da pandemia, a médio e longo prazo, na produção de filmes nacionais?

Mais do que a pandemia, é a falta de recursos que impacta a produção neste momento. É um ano praticamente perdido porque o vírus parou tudo, mas sabemos que tem algumas coisas menores sendo produzidas. No ano que vem é que isso deve se normalizar por conta da pandemia, com os devidos protocolos. O que não sabemos é se normaliza em relação à falta de investimento. As produções vão ficar mais caras, porque contratar um seguro se tornou uma grande dificuldade com a covid-19; é preciso comprar EPIs [equipamentos de proteção individual], o que encarece. Combinando pandemia e poucos investimentos, devemos ter um cenário em 2021 ainda não tão animador.

Grandes produções exigem equipes maiores e mais tempo. Será a vez dos trabalhos independentes?

Tudo indica que sim. Em conversas com produtores, percebi que eles vêm olhando para filmes de baixo ou baixíssimo orçamento, justamente porque não há dinheiro na praça. Mais do que a covid-19, volto a bater na tecla do investimento: os baixos orçamentos devem ser a bola da vez por uma questão de saúde pública. É muito mais fácil controlar uma equipe pequena, mas também acaba saindo mais barato. De qualquer forma, acredito que isso seja em termos, porque se for uma equipe pequena, mas a produção decidir investir em VFX [efeitos visuais, na sigla em inglês], acaba não sendo um orçamento baixo. A gente precisa separar um pouco a produção autoral, que talvez consiga trabalhar com valores e equipes menores, das maiores, que vão precisar inovar na questão da tecnologia, até mesmo para não colocar aquela quantidade enorme de figurantes em risco ou não ter uma equipe gigantesca no set. Porém os mais baratos, que tenham uma boa história que possa ser contada de forma econômica, são os que devem se sobressair.

Quando falamos em produção de filmes, tem alguma região que foi mais afetada?

Todas as áreas do Brasil estão sendo afetadas, justamente por conta dessa crise da Ancine. Mas o Sudeste é o que sofre menos, porque grande parte do que envolve uma produção acaba ficando no eixo Rio-São Paulo.

Como foi o impacto na distribuição e na exibição?

A distribuição foi extremamente atingida. Com a chegada do VOD , por mais que já haja outros entendimentos sobre a obrigatoriedade de a primeira janela ser a sala de cinema, o setor foi muito impactado porque você tem uma quantidade de filmes represada gigantesca. Algumas distribuidoras encontraram uma estratégia no cinema drive-in: cumprem a obrigatoriedade exibindo uma semana lá e, depois, licenciam para alguma plataforma.

Os exibidores, nem se fala… Estão todos parados. Além de não ganharem na bilheteria, a gente precisa lembrar que eles ganham com a bombonière, com o restaurante… É um dinheiro indireto muito alto que também deixou de entrar. Então, o impacto é grande.

Filmes estão sendo lançados em streaming e on-line. Acredita que essa prática vai permanecer com força após a pandemia?

Sim, com certeza. A pandemia só acelerou o curso natural. A Spcine, após muita análise e seguindo todas as regras, está dando a possibilidade de liberação de produções em plataformas que não o cinema. A Disney lançou Mulan, que ia ser o grande filme de 2020 nos cinemas se não tivesse a pandemia, em sua plataforma de streaming. A Universal fez o mesmo com seu Trolls 2 e fechou um acordo com a AMC, uma das maiores cadeias de cinema do mundo, para que os próximos lançamentos tenham uma janela de exibição menor. E a AMC vai receber uma porcentagem dos ganhos das produções on demand da Universal. São novos arranjos que estão sendo feitos, sem contar a Netflix, que já lança seus filmes diretamente na plataforma.

O consumo de filmes vai mudar? Como se preparar para isso?

Ele explodiu. As plataformas cresceram de forma geral, e muito. A própria Spcine Play teve 400% de crescimento. Acredito que isso vai se manter, mas não acho que a sala de cinema vai deixar de existir. O cinema está aí há mais de cem anos, já passou por todo tipo de novas tecnologias, como VHS e DVD, e se mantém. Claro que aquelas salas de 1.500 lugares não têm como existir, porque o mercado vai mudando mesmo, não tem como. Mas as pessoas gostam da experiência de ir ao cinema, de compartilhar, mesmo que seja sozinha, aquela sala no escuro, onde há outras pessoas que estão com você se emocionando, se assustando, dentro daquela história. Uma sala de cinema é muito diferente da sala da sua casa, onde há barulhos externos, celular e onde a iluminação e o som não são os mesmos.

Malu Andrade fala sobre o impacto da pandemia no setor audiovisual no Brasil.

Malu Andrade é especialista em economia criativa e diretora de Desenvolvimento de Políticas Audiovisuais da Spcine.


Saiba mais sobre o impacto da pandemia no setor audiovisual no site da Anesp: Política audiovisual em tempos de COVID-19: arte e indústria em confinamento


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